terça-feira, março 16, 2010

Das boas lembranças

Ah, velho lápis, saudades de ti, nobre e barato pedaço de madeira, dotado de ordinário, mas voraz grafite. Tal que anotava tudo que a mente não ousava guardar, tudo que necessário era, tudo que necessário seria. Pobre camarada. Hoje substituído, trocado sem pudores por hodierna lapiseira – 0.5, 0.7, vá lá. Mas eu, eu bem recordo teu valor, pequeno rabiscador, quando usavas borracha sobre a cabeça, objetivando limpar erros diversos sem cansar; quando pousavas sobre orelha de malandro, à espera de vindouras anotações; quando giravas em apontador maroto, intuito de repor-se duma longa cópia de quadro colegial. Bem sei eu de teu aferro, esguio companheiro; ou acaso a lapiserinha 0.5, toda charmosa, tal de puro finesse, aguentaria tranco numa tarde de contas apertadas; acaso suportaria as tremedeiras de minha primeira e nervosa, e longa, e tremida carta de amor. Não, simplesmente cairia. Quebrar-se-iam todos aqueles grafites de fino trato, que mais quebram do que falam, assim, sem mais nem menos. Mas tu não, notável relembrador; tu anotarias vinte vezes se necessário fosse; porias tudo nos mínimos detalhes, suportarias copiosos riscos e rabiscos até que tudo tomasse jeito; e encararias, sempre aguerrido, sem titubear, mais apontadores diversos; tudo para que seu simples e necessário intuito tomasse ares. Fosse sua concorrente, e fosse aqui papel, aposto, bem sei que sequer seria capaz de findar mesmo este pequeno texto com decência, sem partir-se aqui e ali; ao contrário de ti, amigo. Saudades de ti, fininho.