quarta-feira, fevereiro 17, 2010

De outrora

          Outrora era diferente. Hoje, quando das tormentas, já faço de transporte improvisada vela, feita de pedaço de isopor e pano usado. E, magistralmente, vou desviando de objetos aqui, ali e acolá. Corredeiras, digo, corriqueiras e imprescindíveis manobras. Estas que fariam, de plena certeza, inveja aos mais arrojados profissionais das ondas. E quem mira, de canela submersa, já bem parece pensar em semelhante ideia, similar solução. E isto tudo porque carro falhou, motor despediu-se afogado; copiosamente tossindo, entregou-se fruto da última e demasiada água caída; essa tal que de repente, assaz estrondosa, veio mais uma vez assolar as já tão infortunadas gentes.  
Outrora era diferente. Atualmente já penso na compra de  um trenó, ou mesmo qualquer carrinho deslizante, vá lá; e isto para quando o inverno chegar –  já venho treinando meu cão para a função do puxar. Do modo que as coisas andam se exibindo, pela maneira a qual a natureza anda alvorotada, possante neve bem pode futuramente cá dar os frios ares; mesmo aqui, onde uma tropicalidade regular costumava sempre se apresentar. 
Outrora era diferente. Hoje já penso em usar capacete na rua, intuito de evitar telha voadora de súbito temporal; aliás, quando o vento assovia mais forte, ou ainda quando qualquer nuvem se atreve a cobrir sol por mais de minuto, já evito pisar estrada. Fruto disso tudo, já andam proferindo que tomo de exagero a situação, que vivo de paranoias, de devaneios; ou mesmo que tais atitudes não cabem a um homem são. Todavia, somente replico que, de toda forma, acertando ou não, já vale a precaução. Seguro morreu de velho, velho e louco, dizem alguns; mas, precavido que era, bem perdurou.
 Outrora mundo era mais tranquilo, era diferente. Hoje, quando de tanto calor, na rua, já ando  me banhando em qualquer poça d’água que cruze caminho. E nem importo com olhos alheios, confesso, desde que tome do refresco tão necessário o corpo. Outrora temperatura não derretia tanto, não derretia tudo, não desconsertava o todo. Calor, com uns goles de refresco, sempre findava, passava, aliviava.
Pois outrora, pedaço de morada raramente desmanchava, ou nadava; ponte dificilmente caía, estrada nem sempre sucumbia. Outrora água só em rio pairava; telhado não fazia concorrência a passarinho, poste mal tinha coragem de atravancar caminho; o tempo, ah, o tempo, este tratava tudo com bem mais carinho. E outrora tão absurdas palavras nem caberiam; isto, claro, lá - outrora. Outrora era diferente; outrora este mundo nem era tão demente; e essa gente, bem se sabe, nem tão inconsequente. O perro, de todo modo, continuará a treinar.