sexta-feira, outubro 29, 2010

Da falta de grana

 Pois ando tão desprovido de dinheiro que ando fazendo de tudo pra arranjar algum. Tempos atrás, precisei vender meu cachorro: vira-latas magrinho, que somente conseguia viver porque se alimentava das próprias pulgas. Com ajeitadinha ou outra, e usando artifícios de maquiagem aqui e ali, negociei-o passando-se por um suntuoso dálmata, noutra cidade, bem distante daqui, intuito de evitar futuras confusões quando dum primeiro banho. Infelizmente, a grana do cusco foi velozmente gasta num encontro que tive com uma simpática rapariga que esperava ônibus na esquina da rodoviária daquela cidade. Simpaticíssima, amabilíssima, caríssima.
 
Fruto daquele rápido amor repentino, obriguei-me a ir novamente atrás de grana – vendi minha avó. Fazendo uso da internet de um camarada, num acordo com a remota, que buscava novos ares, negociei-a num leilão virtual, dividindo o montante em partes iguais. Os cento e cinquenta anos da mocinha chamaram enorme atenção de um museu londrino, que ofertou razoavelmente bem para expor a raridade por lá. Todavia, o dinheiro da antiga também não perdurou muito. Deste modo, desfiz-me também do apartamento, que nem meu era. O dinheiro da venda, depois que consegui fugir do síndico e do dono, decidi aplicar em ações.

Minha primeira ação foi comprar comida, o que não via há muito. O resto foi investido em barracas - uma, na verdade. Não podia ficar na rua.  Barraca até bem espaçosa, quatro quartos, porque assim acabou sendo necessário. Para minha pouca fortuna, recebera carta da antiga dizendo não ter tido total apreço pelo clima londrino e que o museu achara mulher mais velha ainda para o seu acervo, o que nunca acreditei; e desde modo, retornando muito em breve, precisaria de morada.

Outro quarto, com vista para uma churrasqueira giratória, e para reparar a maldade inicial, reservei para o falso dálmata. O tal, coincidentemente ou não, depois de um final de semana chuvoso, e provavelmente com ajuda das pulgas, acabou por encontrar-me mais uma vez.  Por fim, hospedados o cachorro e a velha, escolhi o meu.  Ah, o que sobrou – com janela maior, mobiliado com colchonete, cadeira de praia, mesa pra dois e vales para o banheiro da lanchonete da esquina – está para alugar. Aliás, se alguém se interessar, ou souber de alguém que possa ter interesse, favor discar 5550555 - sempre depois das 18h - horário de menor movimento, o que facilita ouvir o toque do orelhão aqui da frente.