Diziam que os tempos estavam tão difíceis, que ao preparar um jantar especial para a namorada, comprou vinho tinto, daqueles para o preparo de doce caseiro. Depois, preparou a mesa sob a luz das velas de um dos seus aniversários anteriores, o que disfarçaria a falta de iluminação. Os pratos, de plástico, encobririam o problema da água que teimava em faltar dia sim, dia não. Os talheres que seguiam a mesma linha, revelavam um ar nostálgico, numa tentativa certa de se enganar. Antes, tomou banho no vizinho com o xampu que comprara a prestação, e depois pingou cinco gotas do desodorante no pescoço. O antigo perfume, uma amostra emprestada pelo pai, acabara dois anos antes. Acordou naquela manhã ao som do despertador de outro vizinho, como sempre fazia, já que o seu só servia na decoração da pequena casa. Deu para o cachorro o mesmo osso do dia anterior, e o pobre animal, resignado, aceitou com um sorriso amarelo, não pela atitude do dono, mas pela cor da água de sua tigela. Quando ela chegou à noite, sorriu, e com uma rosa roubada de um trabalho de esquina, convidou-a para entrar.
